quarta-feira, 22 de abril de 2009

Argumentos contra a política de cotas raciais

Muito se discute no Brasil ainda sobre a política de cotas. De modo geral as pessoas que emitem alguma opinião contrária a política de cotas usa um ou mais dos argumentos que relaciono abaixo. Não pretendo discutir neste artigo os aspectos históricos envolvidos, que possivelmente justificariam uma possível política de reparação, mas apresentar fatos e dados que refutem os argumentos dos discursos contrários.

Argumentos contra a política de cotas raciais:

Primeiro: que a ação correta seria a melhoria do ensino público fundamental no Brasil, principalmente o ensino médio, que permitiria uma equiparação ou nivelamento de todos os candidatos ao ingresso na universidade.

Segundo: que a diferença principal entre ingressantes e não ingressantes na universidade no Brasil seria a econômica, ou seja, quem não ingressa na universidade é porque é pobre, independente da raça.

Terceiro: que o desempenho dos alunos beneficiados com as cotas, por serem oriundos de escola pública e não passarem no vestibular pelos meios normais, seria inferior ao dos alunos ingressantes sem as cotas.

Quarto: que não existem negros, ou que na verdade não existem raças diferentes, que não há branco, negro, amarelo, pardo,etc., portanto as cotas raciais são impraticáveis.

Quinto: que a constituição brasileira não permite a distinção por raça.

Sexto: que poderia causar o recrudescimento do rascismo no Brasil, ou seja, que política de cotas, poderiam aumentar a segregação racial ao invés de diminuir as diferenças.

Sétimo: que a vaga na universidade, bem como a ascenção a posições superiores em qualquer outra atividade, seria concedida por mérito.

O primeiro argumento, teóricamente está correto, no entanto pergunta-se: - o que se faz na prática para melhoria do ensino fundamental no Brasil? A décadas, desde que o Brasil é independente fala-se em melhorar a educação, repetindo “fala-se”. A décadas que escolas são sucateadas e que professores são marginalizados. Mas vamos supor que de uma hora para outra a sociedade se convença de melhorar o ensino, quanto tempo isto levará? Vamos dizer aos pobres e negros que esperem, que fiquem como estão por mais uma ou duas décadas? E não é esperando “deitado em berço esplêndido”, mas esperando na favela, no sub-emprego, na miséria, quando não na cadeia. Na realidade a situação hoje é esta: os negros correspondem a apenas 2% do contingente de universitários, apesar de representarem 45% dos brasileiros. E é nisto que a sociedade deve pensar, isto é um dado real, a melhoria do ensino fundamental é uma meta distante.

O segundo argumento tem muito a ver com o primeiro, numa relação de causa e efeito. A primeira vista o argumento parece verdadeiro, entretanto os números mostram que mesmo entre os pobres, o número de negros pobres está 47% acima dos brancos, ou seja, existem mais pessoas miseráveis negras do que brancas, e entre estas, os negros são os de menor salário e poder aquisitivo. A maioria (na realidade, uma minoria) dos alunos oriundos de escolas públicas que conseguem entrar em uma universidade pública no Brasil são brancos, ou seja, mesmo entre aqueles que conseguem vencer a diferença, os negros são minoria.

O terceiro argumento é um dos maiores preconceitos dos que são contra as cotas. Pesquisas em todas as universidades que adotaram as cotas mostram um desempenho superior dos alunos cotistas em relação aos demais. Em 2003, antes das cotas portanto, a Unicamp fez um levantamento em que descobriu que os egressos de escola pública, menos de 30% do corpo discente, apesar de enfrentarem maiores dificuldades materiais ao longo dos cursos, tinham médias 5% superiores aos demais. A partir desta constatação a Unicamp criou um sistema próprio de cotas aplicando 30 pontos a mais no vestibular para alunos de escolas públicas. Em 2005, a Unicamp comparou o desempenho dos 2.829 alunos que ingressaram no vestibular, nos quais 931 foram beneficiados pelos 30 pontos. Considerando somente a nota do vestibular (sem os 30 pontos) em apenas 4 dos 55 cursos os estudantes de escola pública tiveram notas superiores aos demais aprovados. Mas, no final do primeiro semestre letivo, os egressos de escola pública já estavam a frente de seus colegas em 29 cursos. A Universidade Federal da Bahia (UFBA) fez em 2005 uma avaliação de desempenho do primeiro grupo de estudantes que ingressou na Universidade pelo Programa de Ações Afirmativas (Cotas). Os dados revelaram que, em 56% dos cursos, os cotistas obtiveram coeficiente de rendimento igual ou melhor aos não-cotistas.

O quarto argumento beira a hipocrisia, ou seja, apelar para a biologia celular e o microscópico DNA para excluir os negros mais uma vez. É obvio que do ponto de vista biológico somos todos iguais, mas o rascismo não tem nada a ver com biologia, é cultural e histórico, é uma sórdida criação humana, e se baseia sim na cor da pele. A segregação é latente, as diferenças sócioeconômicas são enormes, o preconceito é histórico. No entanto, quando o ojetivo é a reparação destes erros argumenta-se que não existem raças? Mas só quando o objetivo é este. Porque então que quando se fala em segregação, exploração ou discriminação a primeira imagem que vem a mente é a de um negro? Na verdade todos sabem quem é a pessoa a que nos referimos por negros, mas o medo ou receio de dividir sua posição social, turva a vista e a mente do branco.

O quinto é o argumento legal ou juridico no qual se penduram os discursos contrários as cotas raciais. Vejamos o que diz a constituição. Sempre citado pelos que são contra a política de cotas, o inc. IV do art. 3º da C.F. diz: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: ... IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Mas se esquecem que no mesmo artigo temos antes do inciso IV, o inciso I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; e o inciso III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Ou seja, está na constituição brasileira sim que é função do estado reduzir as desigualdades e erradicar a marginalização. Outro argumento jurídico é o de que todos são iguais perante a lei, porém, como diria Millor Fernandes, uns são mais iguais que outros. No entanto, outro aforismo do direito diz: “não se pode tratar desiguais como iguais”.

O sexto argumento não tem o menor fundamento. Não há qualquer base ou motivação suficiente para ensejar qualquer tipo de atitude rascista dentro da política de cotas. O fato de parte das cotas serem destinados a pessoas autodeclaradas negras não significa racismo. Racismo é a forma de pensamento em que determinados indivíduos se acham superiores a outros baseados em características físicas hereditárias ou manifestações culturais. O fato de uma pessoa se autoafirmar negra, ou usar camisetas, botons ou outras formas de demonstração do que ela é, não é absolutamente uma atitude racista. O racismo é condenado universalmente e rigidamente punivel pelas leis brasileiras.

O sétimo argumento quer reduzir tudo o que acima foi afirmado, ao esforço pessoal, à dedicação desprendida na preparação para o vestibular, ou seja, o mérito. Quem não se aplica não passa no vestibular. Neste quesito é que não há comparação. Então trabalhar na infância e juventude, ser o único sustento da família muitas vezes, cuidar de pais e irmãos menores, não são responsabilidades. Talvez maiores que o vestibular quando se trata da própria sobrevivência. E ainda ter que estudar longe de casa, e a pé, não ter material escolar adequado, e frequentar aulas muitas vezes a noite. Comparar estes com aqueles que não tem obrigações com o sustento da família, cujo único dever é o estudo, que estudam em escolas particulares, têm aulas de reforço, cursos de línguas, intercâmbios internacionais, boa alimentação e transporte. Quem é o mais dedicado? De quem é o mérito?

Termino este artigo afirmando que não considero a política de cotas uma solução em si, mas que tendo em vista as graves distorções sociais em que vivemos e o estado em que vive a maioria da população brasileira, é uma necessidade imediata.

Tambem posso dar um testemunho de experiência pessoal, pois sou professor de escola pública de nível médio, fato que me orgulha, a mais de 25 anos, e posso afirmar que mesmo sendo pública, que alunos negros em minhas classes não passaram de uma dezena nestes 25 anos.

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