quarta-feira, 26 de maio de 2010

A FALÁCIA DA MERITOCRACIA

Segundo o dicionário, “meritocracia” é um sistema (p. ex., educacional ou administrativo) em que os mais dotados ou aptos são escolhidos e promovidos conforme seus progressos e consecuções; sistema onde o mérito pessoal determina a hierarquia. Este conceito tem sido especialmente lembrado em nossos dias para desqualificar alguns programas governamentais de discriminação positiva como o sistema de cotas nas universidades.

No entanto neste âmbito, trata-se de uma alegação cínica e hipócrita de quem a usa como suporte para perpetuar seus privilégios de geração a geração. Atribuir unicamente ao indivíduo seus fracassos e conquistas pode parecer convincente na visão turva que a elite brasileira tem do mundo real. Para esta elite é cômodo pregar que a conquista de degraus econômicos e sociais deva se basear no mérito, porque afinal seus membros estão melhor preparados para isso. E não só porque estudaram nas melhores escolas, frequentaram os melhores cursinhos de inglês, fizeram intercâmbio, etc., mas porque existe uma rede de relacionamentos que ampara os seus membros.

Qual o mérito de um filho da classe média ou rica em tirar o lugar do filho da faxineira na universidade pública. Não há merito algum, não há justiça, é praticamente um jogo de cartas marcadas. No entanto nossas classes média e rica, acham que ambos têm a mesma chance, são iguais, é só um contra o outro numa prova de conhecimento. Pura hipocrisia. Dizem: -Ah, mas se estudar, qualquer um pode passar no vestibular, rico ou pobre. É verdade, toda regra tem excessão, e a excessão é o filho da faxineira entrar na universidade, como provam todas as estatísticas. Mas não quero me prender muito neste aspecto, vou supor que as condições de acesso a universidade sejam iguais e continuar o raciocínio sobre a ideologia da meritocracia.

Recentemente o IPEA pesquisou o nível de emprego no Brasil e constatou que nas classes inferiores, mesmo com a melhora do próprio nível de escolaridade, o índice de desemprego continuava alto. Mais alto que nas classes mais altas para a mesma escolaridade. Vejam que é outro mito pregado pela elite: se o indivíduo se prepara através do estudo terá mais chances no mercado competitivo. Aqui entra o que falei no segundo parágrafo, a rede de relacionamentos. A rede de relacionamentos é o entorno do individuo, representado pela classe social a qual pertence. Esta é a armadilha da classe média e da classe rica para manter seu status dominante. Como funciona?

Mesmo sendo um aluno medíocre, ou não tenha alcançado grau, os filhos da classe média sempre terão uma rede de apoio dentro da sua classe. Poderá estagiar na empresa do pai do colega, trabalhar em algum emprego médio na loja da amiga da mãe, etc. Mas jamais será um faxineiro. Na classe rica os privilégios são ainda maiores porque ele já sairá como dono, portanto pulará os degraus que os demais precisam subir e será logo diretor ou sócio.

No Brasil a vida e o futuro do indivíduo são determinados pelo local de nascimento. Se nasce na favela ou se nasce nos Jardins ou Leblon. Como discutir desempenho e sua avaliação dentro de um contexto desigual como este. O conceito ideológico do mérito individual parece sedutor a princípio, mas torna-se instrumento de injustiça social quando não atribui importância a variáveis sociais como origem, posição social, econômica e poder político.

3 comentários:

billy disse...

Ótimo texto. Ótimo.

Ricardo disse...

Gostei bastante do seu breve texto, colega. Poderia até escrever mais sobre que não me cansaria de ler. ab's

Ricardo disse...

Ótima colocação, colega. Poderia escrever mais e eu não me cansaria de ler.

Abs