Acabo de receber um e-mail com este texto do Sr. Ivens Gandra Martins da Silva, que respondo ao final do post:
Você é branco? Cuide-se
"Hoje, tenho eu a impressão de que o 'cidadão comum e branco' é agressivamente discriminado pelas autoridades e pela legislação infraconstitucional, a favor de outros cidadãos, desde que sejam índios, afrodescendentes, homossexuais ou se auto-declarem pertencentes a minorias submetidas a possíveis preconceitos.Assim é que, se um branco, um índio ou um afrodescendente tiverem a mesma nota em um vestibular, pouco acima da linha de corte para ingresso nas Universidades e as vagas forem limitadas, o branco será excluído, de imediato, a favor de um deles. Em igualdade de condições, o branco é um cidadão inferior e deve ser discriminado, apesar da Lei Maior. Os índios, que pela Constituição (art. 231) só deveriam ter direito às terras que ocupassem em 5 de outubro de 1988, por lei infraconstitucional passaram a ter direito a terras que ocuparam no passado. Menos de meio milhão de índios brasileiros - não contando os argentinos, bolivianos, paraguaios, uruguaios que pretendem ser beneficiados também - passaram a ser donos de 15% do território nacional, enquanto os outros 183 milhões de habitantes dispõem apenas de 85% dele. Nesta exegese equivocada da Lei Suprema, todos os brasileiros não índios foram discriminados. Aos 'quilombolas', que deveriam ser apenas os descendentes dos participantes de quilombos, e não os afrodescendentes, em geral, que vivem em torno daquelas antigas comunidades, tem sido destinada, também, parcela de território consideravelmente maior do que a Constituição permite (art. 68 ADCT), em clara discriminação ao cidadão que não se enquadra nesse conceito. Os homossexuais obtiveram, do Presidente Lula e da Ministra Dilma Roussef, o direito de ter um congresso financiado por dinheiro público, para realçar as suas tendências, algo que um cidadão comum jamais conseguiria. Os invasores de terras, que violentam, diariamente, a Constituição, vão passar a ter aposentadoria, num reconhecimento explícito de que o governo considera, mais que legítima, meritória a conduta consistente em agredir o direito. Trata-se de clara discriminação em relação ao cidadão comum, desempregado, que não tem este 'privilégio', porque cumpre a lei. Desertores e assassinos, que, no passado, participaram da guerrilha, garantem a seus descendentes polpudas indenizações, pagas pelos contribuintes brasileiros. Está, hoje, em torno de 4 bilhões de reais o que é retirado dos pagadores de tributos para 'ressarcir' àqueles que resolveram pegar em armas contra o governo militar ou se disseram perseguidos. E são tantas as discriminações, que é de se perguntar: de que vale o inciso IV do art. 3º da Lei Suprema? Como modesto advogado, cidadão comum e branco, sinto-me discriminado e cada vez com menos espaço, nesta terra de castas e privilégios."
Resposta a Ives Gandra Martins
Muito revelador o fato deste artigo estar publicado no blog “Coturno Noturno” supostamente de um tal de “Coronel”. O que já me conduz ao último parágrafo onde o autor escreve: “resolveram pegar em armas contra o governo militar ou se disseram perseguidos”. Ora, o autor acha então que o governo militar era um governo legítimo, portanto legal, e que não houve perseguição ou tortura, e que o Brasil vivia num regime democrático onde todos podiam expor suas idéias abertamente. Mostra também certa ignorância (me parece até má fé considerando-se o fato de ser um advogado), ao não escrever que tais indenizações não são automáticas como faz sugerir, mas dependem de todo um rito jurídico.
Mas vou deixar de lado esta e outras barbaridades escritas por este cidadão e me ater ao caso das cotas raciais. Novamente sobre este aspecto o “jurista” omite deliberadamente informações com o objetivo de conduzir o leitor a acreditar que o que ele diz é a única verdade.
Comecemos com a constituição brasileira. Sempre citado pelos que são contra o sistema de cotas, o inc. IV do art. 3º da C.F. diz: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: ... IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Mas se esquecem que no mesmo artigo temos o inciso I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; e o inciso III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Ou seja, está na constituição brasileira sim que é função do estado reduzir as desigualdades e erradicar a marginalização.
O jurista também mostra ignorância ou má-fé quando omite o que reza no projeto de lei que institui o sistema de cotas nas universidades públicas no seu artigo 1º As instituições públicas federais de educação superior reservarão, em cada concurso de seleção para ingresso nos cursos de graduação, no mínimo, cinqüenta por cento de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas; e no seu artigo 2º Em cada instituição de educação superior, as vagas de que trata o art. 1o serão preenchidas por uma proporção mínima de autodeclarados negros e indígenas igual à proporção de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
Ou seja, a lei atinge os oriundos de escola pública, certamente de origem mais pobre e dentre eles um fatia será reservada às minorias étnicas.
Este tipo de ação do estado, conhecido nos meios jurídicos como discriminação positiva, além de não ser exclusividade do Brasil, pois é empregado nos Estados Unidos para os negros e nos paises escandinavos para os lapões, por exemplo, é adotada para outras formas de desigualdade como os portadores de deficiências na constituição federal, em leis municipais que protegem os idosos com mais de 65 anos, as gestantes, etc.
Um aforismo muito citado em Direito é: “não se pode tratar desiguais como iguais”, que é a base da igualdade material em contra ponto a igualdade formal. A igualdade material de influência socialista, desenvolveu-se a partir da segunda metade do século XIX, e se volta a diminuir as desigualdades sociais, a fim de oferecer proteção jurídica especial a parcelas da sociedade que costumam, ao longo da história, figurar em situação de desvantagem, a exemplo dos trabalhadores, consumidores, população de baixa renda, menores e mulheres.
Enquanto a igualdade formal surgida na revolução francesa se baseia no aforismo “todos são iguais perante a lei”, almeja submeter todas as pessoas físicas e jurídicas ao império da lei e do direito, sem discriminação quanto a credos, raças, ideologias e características socioeconômicas, opondo-se a privilégios legais baseados no status social e prestígio político.
E prá quem esqueceu é bom lembrar: preconceito é um juízo preconcebido, manifestado geralmente na forma de uma atitude discriminatória contra pessoas, lugares ou tradições diferentes daqueles que consideramos nossos. Costuma indicar desconhecimento pejorativo de alguém ao que lhe é diferente. As formas mais comuns de preconceito são: social, racial e sexual.
Os antropólogos nos ensinam que, ao avaliarmos os costumes de outros povos temos têndencia de partir de nossos valores culturais, o que representa uma atitude etnocêntrica. Quando isso acontece, corremos o risco de procurar neles "o que lhes falta" e esquecemos de ver com clareza o que eles são de fato.
E pra finalizar coloco alguns dados relevantes para mostar o quanto os brancos são marginalizados e como diz o jurista “agressivamente discriminados”:
1. os negros correspondem a apenas 2% do contingente de universitários, apesar de representarem 45% dos brasileiros.
2. 57,7% dos candidatos de cor preta possuem renda familiar inferior a 1.500 reais, já em relação ao grupo de cor branca esse percentual é bem menor, 30%;
3. A mesma disparidade é verificada quando se analisa o percentual de pessoas com renda acima de R$ 2,5 mil: 46,6% dos candidatos de cor branca estão nessa categoria, enquanto o percentual no grupo de cor preta é de 20,4%;
4. Já a taxa de desemprego segue atingindo mais os negros - que são maioria entre a população em idade ativa (10 anos ou mais) - do que os não-negros nas seis regiões metropolitanas pesquisadas (Belo Horizonte, Distrito Federal, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo). A maior taxa foi verificada em Salvador (26,9%) e o menor índice em Belo Horizonte (21,9%). Já entre os não-negros as taxas de desemprego ficaram em 18,4% e 17,2%, respectivamente.
5. Mesmo quando tem nível superior, o negro tem mais dificuldade em conseguir um emprego. Em Porto Alegre, a taxa de desemprego entre os negros com ensino superior é 2,5 pontos percentuais maior do que entre os brancos. Nas demais cidades, a situação é a seguinte: Salvador, 2,2 pontos percentuais; Distrito Federal, 1,6; Recife, 0,9; São Paulo, 0,8; e Belo Horizonte, 0,5.
6. Quanto aos salários a desigualdade também é grande. Em Salvador, os negros ganham quase metade do que os não negros - em média R$ 575, enquanto os não negros recebem R$ 1.148,00. A tendência permanece mesmo entre os negros com curso superior, que recebem, em média, 20% menos que os não negros.
Para conferir:
http://www.dieese.org.br/esp/negro.xml
http://noticias.uol.com.br/economia/ultnot/2004/11/18/ult82u5440.jhtm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm
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